terça-feira, 12 de março de 2013

O conto das dezoito horas - Primeira parte

O conto das 18:00 horas...
                    
Céu cinza de mês de Outubro, meados da tarde de um dia qualquer. Trovões violentos rasgam o céu, mas a chuva desliza calma e travessa até encontrar o chão. Um jazz qualquer é a trilha sonora do filme que se repete várias vezes em minha cabeça. Não entendi bem até hoje, foi tão rápido. Um toque na porta. Poderia ser qualquer um, mas era aquele que provoca convulsões divertidas dentro de mim. Alto, corpo esguio, cabelo a lhe cair na testa, olhos profundamente negros, calmos como uma lagoa rasa, nariz fino e barba por fazer. A princípio, sempre tímidos, apenas nos olhamos, ele soltou a primeira piada infame e então o clima pareceu mais ameno. Entrou e ouviu a música que tocava ao acaso, segurou meu pulso por um tempo que me pareceu eterno e insuficiente. Ele não é bonito, mas estava lindo, tem algo nele, um charme absolutamente irresistível, estava numa calça jeans, camiseta branca sobreposta por uma camisa roxa aberta. O belisquei e começamos uma “guerra”. Ele agilmente me colocou contra a parede estrategicamente. Apoiou a mão ao lado na minha orelha esquerda na parede. Perguntou se eu estava com pressa e, Deus do céu, eu não estava. Ele riu, não sei bem de quê. Alguma expressão que viu passar de relance em meu rosto, talvez. Com a outra mão, brincou com a ponta do meu nariz e deslizou-a só por maldade, até roçar meus lábios, em seguida segurou meu queixo. Céus. Pude jurar internamente que ele iria me beijar, mas ele queria brincar... E como eu queria que ele brincasse... Um trovão soou de repente, mas o sobressalto partiu apenas de mim. Isso o incentivou a sorrir. Confesso que amo vê-lo sorrir, mas sua expressão séria provoca sede em mim. O rosto se aproximou do meu, senti sua respiração se misturar à minha. Ele falou algo sobre eu ser louca, sorri e empurrei-o alguns centímetros. A mão que segurava meu queixo encontrou minha clavícula e a pulsação comedida da jugular em meu pescoço. Já estava quase implorando pra que ele desse um fim àquilo, quando do nada o senti me beijar, tão calmo, tão lento, eu diria perfeito. Suave, dançando os lábios em torno dos meus, quase como se tivesse pena de aprofundar-se em algo mais urgente, como se quisesse preservar o melhor pra depois. A casa vazia há não ser por nós dois, rompia o silêncio com o som da chuva e da música que se repetia incessantemente. O beijo continuou até que senti algo frio ser anexado em meu ombro. Não entendi do que se tratava, até que vi a seringa cair no chão e rápido demais minha vista escureceu. Quando acordei, o cenário havia mudado. Uma dor absurda tomou minha cabeça. Ele estava lá, na minha frente, com o mesmo jeito tímido de todas as vezes em que nos encontramos. O lugar de agora não passava de um cubículo. Um feixe de luz apenas entrava por uma janela lacrada com um material que não pude identificar o que era, uma cama pequena era onde eu me encontrava, uma mesa e uma única cadeira no canto oposto de onde estava a cama. Poderia ter me parecido asqueroso, imundo, mas na verdade, senti uma angústia horrível, como se ali carregasse o peso de várias vidas várias histórias que talvez jamais fossem reveladas.  Eu estava paralisada e não era de medo, não conseguia me mexer um centímetro, por mais que tentasse. Podia jurar que vi algo vermelho lampejar em seus olhos e então, ele sorriu. Senti um pavor indescritível, parecia que o medo iria me explodir. Um relógio ao lado dele apontava quase 18:00 horas. Ele se levantou da cadeira em que estava, um sorriso diabólico brincou em seus lábios. Eu sabia que iria morrer, cada célula do meu corpo anunciava isso. Então de repente, ele disse:
-Minha querida, muito em breve, quando estiver no meu lugar, você entenderá que tudo que fiz foi pro meu próprio bem. Sei que parece egoísta agora, mas quando for sua vez de encontrar uma saída pra essa maldição, então você entenderá. Eu não brinquei com seu coração, não totalmente. Eu precisava que você me entregasse ele, não por amor, mas para conter o terror que tem sido a minha sina de mendigar vida pelo mundo.
E terminando de falar, cravou em meu peito um punhal velho, velho e enferrujado. A dor foi lancinante enquanto literalmente abria um buraco em meu peito com aquela arma horripilante. 18:00 horas em ponto. E então ele fez algo absurdo. Com as próprias mãos, arrancou meu coração abruptamente e um grito macabro saltou de minha garganta e aos poucos fui perdendo os sentidos, até que uma última coisa me tocou. Seus lábios roçaram os meus de um jeito doce e algo foi deixado dentro de uma de minhas mãos. E então eu morri.

Continua…